Escrita avulsa retirada da gaveta: diarística, textos esparsos, relíquias, memórias, antiguidades, velharias e outras inutilidades.

05
Mai 15

Porque será que um nome tão comum como Barbosa não consta de nenhum dicionário onomástico? Porque não há raiz etimológica para ele? Consultei vários dicionários, e nada. Eis uma sugestão. Uma pequena história vivida por mim há muitos anos talvez abra uma pista a algum filólogo interessado em pesquisar a origem deste nome. Foi num pequeno hotel de uma localidade fronteiriça no Sul da Alemanha, creio que Offenburg, onde o erro de um recepcionista ensonado me revelou uma possibilidade a explorar: quando lhe balbuciei o meu nome, Pedro Barbosa, ele escreveu BARBARROSSA! Ora “barba rossa”, em italiano, é “barba ruiva”: existirá essa palavra em alemão? Desconheço. Seria uma corruptela de um recepcionista de hotel de fronteira habituado a receber italianos? Para mim, a corruptela deste alemão, com a cabeça bem acima de uma volumosa barriga de cerveja, acabava de me revelar sem querer a origem do meu próprio sobrenome que nenhum dicionário de antropónimos registava. Ou que até hoje ainda não encontrei, excepto a coscuvilhice vaga de um barbeiro gay em Lisboa, contada por Leite de Vasconcelos, que nada explica... Que hoje tenho barba branca, o espelho mo diz todos os dias: serei então descendente do famoso pirata "Barba Ruiva"!? Kkkkk ;) 

publicado por Pedro Barbosa às 22:28

28
Out 14

 

É mais difícil perguntar do que responder.
No processo do conhecimento é mais importante saber formular perguntas do que dar respostas.
As perguntas inventam-se, as respostas encontram-se.
(Conselho para estudantes, jornalistas e investigadores - nota encontrada no meu diário, há muito tempo atrás, e ignoro o porquê... PB)

publicado por Pedro Barbosa às 00:55

10
Out 14

 

A criança pergunta: «Mamã, antes de eu nascer onde é que EU estava?» O adulto interroga-se: «Para onde EU irei depois de morrer?» A pergunta é a mesma entre dois limites: o antes e o depois. A irresistível recusa do nada. Até o mais céptico faz a si mesmo essa pergunta. E Rimbaud repete, canta, recita, vocifera ainda: “JE est un autre”! A consciência do “EU” parece estar acima do “eu”. Assim, nascer e morrer são o mesmo processo, mas de sentido inverso. Morrer é des-nascer, tanto quanto nascer é des-morrer: depende do lado por onde se observa a passagem. Nascimento e morte são dois portais de sentido inverso: entre este plano e o outro plano, aquele que aqui desconhecemos porque desmemoriados aqui chegamos. Aquele plano que o nosso corpo ignora, mas que a nossa consciência parece guardar no mais recôndito da memória onde a luz se desvanece .

Nascimento e morte: duas portas estreitas.

Mas nesta MATRIZ em que o ser humano vive agrilhoado, o medo da morte é o instrumento cultural mais poderoso para que o corpo lance raízes e se afunde no mais denso dos mundos. O medo da morte é o chicote da domesticação humana. Todas as religiões sabem isso há milénios: o materialismo inclusive. Superar o medo da morte é o caminho da libertação. Porque se festeja o nascimento e se chora a morte? Nascimento e morte são os inversos desta mesma fita de Moebius a que chamamos vida: infinitamente dobrada sobre si mesma, como retorcido é este louco mundo em que peregrinamos na dualidade – mas julgando pisar sempre a mesma face (Escher, na gravura, sabia disso). Se todo o nascimento começa pelo choro da criança, que gargalhada soltará o morto do outro lado do percurso? Ouçamos então o riso dos mortos.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

© Pedro Barbosa (gravura de Escher-fita de Moebius)

 

publicado por Pedro Barbosa às 20:30

Escrever neste bloco-notas de noite, sem luz, sem papel, sem ideias e sem óculos: pergunto, como vejo tão bem com a vista tão cansada?

publicado por Pedro Barbosa às 07:44

29
Ago 14

Hoje, reflectindo neste diário póstumo sobre uma escrita não escrita, releio-me. E vejo que outrora dizia de modo encomiástico (mas tremendamente caricatural) que "a escrita era uma forma de vencer na nossa consciência reflexiva o incómodo de existir". Ah, ah, ah! Que quer isto dizer? Ainda hoje não sei, sei só que eram palavras tão profundas que não lhes vislumbro a sombra do fundo. Enfim, algo próprio de um adolescente crente nos impotentes poderes da "escrita", da "arte", da "política", ou de todas as outras coisas transformadoras de coisa nenhuma. Fosse essa coisa nenhuma "o absurdo de uma existência que nos resiste" (sic) - outra frase pró-fundo. Mais: se a literatura tem sentido é porque "fingimos inventar-lhe  um sentido". Qual sentido? Inúteis filosofias. Inúteis hermenêuticas. Espuma de palavras. Pois hoje só me apetecia ir mais longe do que foi Pessoa (como se isso fosse possível), deturpando o seu estafadíssimo verso: «O escritor é um fingidor, que finge tão fingidamente, que finge verdadeiramente a dor que deveras NÃO sente». E não se tente discutir o não-sentido disto tudo. Porque a Literatura tem uma só função prática indiscutível: dar emprego a professores de Português que não gostam de literatura. Tudo o mais é uma questão de códigos de barras nos supermercados da literatura actual... O marketing editorial bem o sabe. Um bluff de quem mercadeja sabonetes com letras ou detergentes de ideias. E mais não digo. Porque também não disse nada. Viva a Literatura!

 

© Pedro Barbosa

publicado por Pedro Barbosa às 23:40

23
Ago 14

Ainda sobre o enigma da escrita, lembro-me de em anos ingénuos ter respondido a um inquérito jornalístico assim: «Escrever - colocar  um  parêntese  efémero  no  grande silêncio do mundo». Palavras sonantes mas vazias. Pois a verdade é que valia o mesmo ter dito o contrário: «Escrever é colocar  um  parêntese  efémero  no  grande ruído do mundo». O ambíguo jogo da linguagem?

 

© Pedro Barbosa
        
publicado por Pedro Barbosa às 20:43

31
Jul 14

FÁBULA ZEN

      «Um pescador gozava o seu ripanço ao sol, na praia da sua ilha, e vem um estrangeiro que o interroga:

     - Porque é que não estás a trabalhar?

     - Para quê? - replica o pescador.

     - Para ganhares mais dinheiro.

     - Para quê? - torna a perguntar o pescador.

     - Ora, para comprares um barco maior...

     E de novo o pescador:

     - Para quê?

     - Para pescares mais peixes.

     - Para quê?

     - Compravas mais barcos e ganhavas ainda mais dinheiro.

     - Para quê?

     E o estrangeiro, já impaciente:

     - Para seres um homem rico.

     - Para quê? - continua o pescador.

     - Para não te ralares com coisa nenhuma e te estenderes aqui, regalado, a descansar...

     E o pescador, rindo-se:

     - Mas isso é o que eu já estou a fazer, sem passar por essa canseira toda!»

 

            Foi  por causa desta fábula que eu fui hoje ao advogado. Um dia explicarei.

publicado por Pedro Barbosa às 20:01

Reinicio o palimpsesto reiterando Brecht:

       «Não há noite tão longa que não atinja o dia.»

publicado por Pedro Barbosa às 16:54

07
Jul 14

 

O que é ESTAR HUMANO

 

Muitos anos se desgastaram os meus neurónios tentando perceber “o que é um SER HUMANO”. E quando mais achava que sabia menos entendia. Hoje, acordando pela manhã e olhando no azul do ar o voo das gaivotas entendi. Entendi o que não podia perceber: porque NÃO SE É UM SER HUMANO, ESTÁ-SE COMO HUMANO. A condição humana não é um modo de ser e sim um modo de estar. E a gaivota olhando do alto para mim na varanda deve ter pensado: «Olha, está ali um ser humano». Isto se a gaivota pensasse em termos humanos, claro. Porque a gaivota pensa em “gaivotês” (que é um termo humano). E a gaivota não é uma gaivota: a gaivota está como gaivota. Foi preciso meio século para eu entender afinal uma coisa tão óbvia? Contudo repara, a resposta está escrita ali no céu: nas nuvens claras que passam instáveis no vento incolor. Isso me deixou leve e feliz, sabendo que posso igualmente passar: deixar de estar para continuar a ser…

© Pedro Barbosa

7/7/2014

publicado por Pedro Barbosa às 12:58

02
Jul 14

«PORQUE ESCREVE?» 

Escrevo porque nunca gostei da primeira frase que disse. E escrevi segunda para corrigir a anterior, tentando apagar a primeira da memória dos outros.

Mas acabei por também não gostar da segunda frase que escrevi. E passei à terceira. E assim sucessivamente...

Foi deste modo que dei comigo a escrever livros atrás de livros, sempre diferentes, uns a seguir aos outros. Inutilmente.

 

 

                                                   «Au fond, voyez-vous, le monde est fait pour aboutir à un beau livre.»

                                                                                     Mallarmé

 

 

 © Pedro Barbosa

(Resposta a um inquérito no extinto "Comércio do Porto", há muitos anos atrás, 1983)

                                                                         

 

publicado por Pedro Barbosa às 08:37

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