A NAU DE PLATÃO E A VELA DO LIVRE ARBÍTRIO
O filósofo Platão, na sua época recuada, fantasiou uma interessante parábola para ilustrar o jogo entre o livre arbítrio e a predestinação. Pediu que imaginássemos uma nau com rumo fixo cujo capitão dirige o barco por um determinado trajecto até ao porto de chegada: isto corresponde à predestinação, ao inexorável. Mas, enquanto dura a viagem, os ocupantes podem mover-se livremente pelo barco e assumir as várias atitudes que acreditam ser convenientes: esta é a parte do livre arbítrio que corresponde ao ser humano.
O Universo, na sua grandiosidade, segue Leis que nos escapam. Mas nós não escapamos a essas leis enquanto fazemos parte do universo: a nossa liberdade está, não limitada, mas sim em coordenação ou descoordenação com o destino universal.
Vemos aqui, em polaridades antagónicas, duas posições filosóficas reconciliadas numa coexistência pacífica. Num equilíbrio de opostos: fatalismo/liberdade, determinismo/indeterminismo, causalidade/casualidade, mecanicismo/aleatoriedade, intencionalidade/absurdo, ordem/acaso, cosmos/caos, e por aí fora. A oscilação faz-se assim entre o “tudo está escrito”, seja nos livros ditos sagrados, seja inscrito na ordem do universo, e o absurdo existencialista que confere ao homem uma liberdade quase absoluta porque o existencialismo apenas olha para dentro da nau – e nesse terreno é coerente. A alegoria de Platão é aqui sugestiva pois relativiza os dois extremos: na dualidade dos opostos em que nos encontramos tudo é relativo, nada é absoluto, e daí que a questão do livre-arbítrio também não o seja.
Num pensamento dialéctico torna-se assim pacífico conceber esta relação dual entre as duas polaridades extremas como sendo um equilíbrio entre dois polos, positivo e negativo, que delimitam em maior ou menos grau a condição humana e dinamizam o universo. A aceitação de um caminho pré-determinado (um “tao”), cuja meta importa atingir, não invalida a pluralidade dos percursos ou dos métodos para se atingir esse fim. Muitos são os trilhos da floresta! Deste modo se podem articular os dois conceitos falsamente antitéticos, o Destino e a Liberdade: uma síntese que corresponde ao equilíbrio dos opostos.
Deixemos então aqui esta alegoria platónica da nau com seus marinheiros dentro: voltaremos a este oceano.
© Pedro Barbosa – 22 Maio 2020