O que tanto nos seduz na magia do espelho? É que ele nos devolve a imagem de um real irreal. Penteias-te diante dele, mas sabes que a imagem que vês é uma simetria inexistente. Contudo, tomas essa ilusão dos teus sentidos como verdadeira. Mais: guias-te por ela, mexes-te diante dela, compões a tua máscara, acertas a posição, entras na farsa deste mundo.
A tua ilusão torna-se a bússola do que julgas ser real.
Espelho mágico: é essa frágil ilusão palpável (tacteável, afagável, embaciável, quebrável, estilhaçável) da nossa imagem do real. Da nossa imagem “no” real. Menos distraidamente, porém, o espelho torna-se a experiência diária do irreal. O lado visível do invisível? O matemático Lewis Carroll sabia-o bem quando inventou Alice e a colocou do outro lado do espelho. Do outro lado do real? Ou do outro lado do irreal? A caverna de Platão mostrava-nos as sombras da realidade. O espelho mostra-nos as formas da realidade na luz. Plano, côncavo, convexo ou assim-assim: de muitos modos a realidade pode ser distorcida. E o mundo é essa grande sala de espelhos. Uma sala que enlouquece o nosso ego de tantas irrealidades autenticadas pelo ilusionismo da luz.
E aí, perdido nesse labirinto de falsas realidades paralelas, o nosso “ego” fragmenta-se, quebra em estilhaços. Assim é o nosso “eu”: moldura de um espelho quebrado em pedaços. “Uno, nessuno, centomila”: um, cem mil, e… ninguém.
22-6-2015
© Pedro Barbosa