
A criança pergunta: «Mamã, antes de eu nascer onde é que EU estava?» O adulto interroga-se: «Para onde EU irei depois de morrer?» A pergunta é a mesma entre dois limites: o antes e o depois. A irresistível recusa do nada. Até o mais céptico faz a si mesmo essa pergunta. E Rimbaud repete, canta, recita, vocifera ainda: “JE est un autre”! A consciência do “EU” parece estar acima do “eu”. Assim, nascer e morrer são o mesmo processo, mas de sentido inverso. Morrer é des-nascer, tanto quanto nascer é des-morrer: depende do lado por onde se observa a passagem. Nascimento e morte são dois portais de sentido inverso: entre este plano e o outro plano, aquele que aqui desconhecemos porque desmemoriados aqui chegamos. Aquele plano que o nosso corpo ignora, mas que a nossa consciência parece guardar no mais recôndito da memória onde a luz se desvanece .
Nascimento e morte: duas portas estreitas.
Mas nesta MATRIZ em que o ser humano vive agrilhoado, o medo da morte é o instrumento cultural mais poderoso para que o corpo lance raízes e se afunde no mais denso dos mundos. O medo da morte é o chicote da domesticação humana. Todas as religiões sabem isso há milénios: o materialismo inclusive. Superar o medo da morte é o caminho da libertação. Porque se festeja o nascimento e se chora a morte? Nascimento e morte são os inversos desta mesma fita de Moebius a que chamamos vida: infinitamente dobrada sobre si mesma, como retorcido é este louco mundo em que peregrinamos na dualidade – mas julgando pisar sempre a mesma face (Escher, na gravura, sabia disso). Se todo o nascimento começa pelo choro da criança, que gargalhada soltará o morto do outro lado do percurso? Ouçamos então o riso dos mortos.
© Pedro Barbosa (gravura de Escher-fita de Moebius)